Antes desconhecido, presidente da Câmara colhe frutos de talento para articular afinidades
Quem viu o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) há pouco mais de cinco anos se deslocando sozinho e calmamente pelos corredores da Câmara dos Deputados tem uma imagem rara em mente.
É que na época não se poderia supor que, hoje, depois de eleito presidente da Câmara, dezenas de deputados e meia-dúzia de seguranças o acompanhariam em caminhadas quase frenéticas, que só não levantam uma nuvem de poeira porque o Salão Verde por onde ele agora costuma passar segue acarpetado, para alívio dos seus frequentadores.
O "tornado" Eduardo Cunha, que vê terminar em poucos dias o melhor semestre de sua trajetória política, mas cujo poder ninguém arrisca datar, pode ser parcialmente explicado pela sua incomum capacidade de articular entre seus pares dois tipos de afinidades: a ideológica e a partidária.
No primeiro caso estão deputados evangélicos e católicos conservadores que se opõem à corrente que busca liberar sem restrições no Brasil a prática do aborto, a legalização da maconha ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Este grupo vê em Cunha uma espécie de guardião das coisas como elas estão, ou seja, com ele na Presidência, nenhuma das ambições como a dos LGBT e das feministas irá prosperar.
Membro da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado João Campos (PSDB-GO) é um exemplo de aliado ideológico de Eduardo Cunha. Os dois trabalham afinados na defesa da vida.
Campos é o relator de um projeto de Cunha que pune os médicos que praticam aborto além dos casos permitidos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e costuma defender o aliado quando os opositores o perseguem.
— Eduardo Cunha é um defensor intransigente da vida e tem sido fundamental na defesa dos valores da família.
O novato Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), eleito com votos evangélicos, é outro exemplo de afinidade ideológica, além, neste caso, da partidária. O deputado acaba de ser indicado relator de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de autoria de Cunha e de João Campos que garante a inviolabilidade da vida no Brasil desde a concepção.
A PEC, se aprovada, impediria a realização de abortos em quaisquer circunstâncias já que a vida estaria protegida desde os primeiros momentos da gravidez. Poucos duvidam que Pacheco dará um parecer pela aprovação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça.
Traquejo político
No campo partidário, as afinidades que Cunha cultiva estão por todos os partidos. Além do PMDB, onde tem raríssimos desafetos, o presidente da Câmara tem amigos e aliados no PSDB, PSC, no PROS, no Solidariedade, no PRB, no PP, PTB, PR, PSB e até no PPS, partido absolutamente contrário ideologicamente a Cunha, mas afinado quando a pauta é combater o governo e o PT em trincheiras como a CPI da Petrobras.
Esse tipo de afinidade colocou o líder do PPS, Rubens Bueno (PR), na seleta comitiva parlamentar capitaneada pelo presidente que foi à Rússia e Israel em maio.
No mesmo avião, ganhou assento outro líder, o do PSC, André Moura (SE). O deputado é um dos mais próximos de Eduardo Cunha e é relator da chamada "PEC dos Ministérios”, proposta de Cunha que limita em 20 o número de ministérios no Brasil e idealizada como contraponto às 39 pastas do governo petista.
A PEC ganhou parecer de Moura pela sua admissibilidade. O deputado sergipano é fã do estilo do amigo e aliado.
— Com o deputado Eduardo Cunha na Presidência raramente se viu um semestre tão eficiente em termos de aprovação de projetos, de resolução de problemas e de resposta aos desejos do cidadão num Parlamento atuante e não omisso.
O fato é que, juntos, os parlamentares afins ideológica e politicamente a Cunha garantem um poder inusitado a ele. Prestígio que, há dois anos, desde que assumiu a liderança do PMDB, afronta a presidente da República, impõe derrotas ao governo e desconcerta o PT, partido que desfruta do poder desde a eleição do então presidente Lula em 2002 e que raramente viu-se tão constrangido pela oposição como tem sido recentemente por Eduardo Cunha, em tese, membro de seu maior aliado, o PMDB.
Os grupos de deputados com alguma afinidade com Cunha são, na verdade, um só aglomerado de parlamentares, mas cuja heterogeneidade transforma seu líder num dos políticos mais espantosamente bem-sucedidos desde Ulysses Guimarães, seu antecessor remoto na cadeira de presidente da mesa que comanda as votações no Plenário da Câmara. Se não houve ninguém como o "Dr. Ulysses", há poucos similares a Eduardo Cunha.
Poder sobre comissões
Essa extraordinária capacidade de fazer política se traduz no controle que ele exerce sobre as comissões temáticas, colegiados por onde todas as propostas legislativas, das mais simples proposições às propostas de emenda à Constituição passam antes de chegar ao Plenário, se chegarem.
No tabuleiro legislativo, além de relatores aliados, é de fundamental importância ter amigos em postos-chave, como as presidências de comissões como a de Constituição e Justiça, Educação, Minas e Energia e Finanças e Tributação, dentre outras.
Têm excelente relação com Cunha, por exemplo, os presidentes das comissões de Constituição e Justiça, Arthur Lira (PP-AL), da Comissão de Finanças e Tributação, a novata Soraya Santos (PMDB-RJ), da Comissão de Educação, Saraiva Felipe (PMDB-MG) e da Comissão de Minas e Energia, Rodrigo de Castro (PSDB-MG).
Nem todas as comissões, entretanto, são presididas por parlamentares aliados. A de Viação e Transportes, por exemplo, está sob o comando de Clarissa Garotinho (PR-RJ), filha do ex-aliado e agora inimigo político Anthony Garotinho, o ex-governador do Rio com quem Cunha rompeu quando começou a ganhar certa luz própria na década passada.
Projetos do presidente da Câmara também não estão imunes à ação dos desafetos, apesar da rede de apoio que Cunha conseguiu formar pelas comissões. Na semana passada, por exemplo, a deputada Érika Kokay (PT-DF) golpeou na Comissão de Direitos Humanos um projeto de autoria de Eduardo Cunha que punia manifestações discriminatórias contra heterossexuais.
A proposta ganhou parecer de Kokay pela rejeição mas a derrota está longe de enfraquecer os ventos que embalam Cunha no topo do cenário político do País.
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