sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Eduardo Cunha se beneficiou de MP do setor elétrico, afirma PGR

Procuradoria afirma ao STF que mudança em leis bancada pelo deputado prejudicou Furnas, comandada por indicado do deputado, e favoreceu aliado do parlamentar, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro



A Procuradoria Geral da República acusou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de mudar duas medidas provisórias em causa própria e de seu amigo Lúcio Bolonha Funaro. Em petição em processo sigiloso ao ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, o procurador Rodrigo Janot afirma que as Medidas Provisórias 396/09 e 450/08, que tratavam do setor elétrico, serviram para fins ilícitos. O objetivo de Cunha foi “alterar a legislação energética, para beneficiar seus interesses e de Lúcio Bolonha Funaro no setor” (veja a linha do tempo abaixo).

Evaristo Sa/AFP


A ação teve o “envolvimento de Furnas”, que era presidida à época por um afilhado do peemedebista, o falecido ex-prefeito do Rio do Janeiro Luiz Paulo Conde. A mudança das regras permitiu que a uma empresa ligada a Funaro comprasse parte das ações de uma usina de Furnas por R$ 6,8 milhões e, oito meses depois, vendesse para a estatal de energia suas cotas por R$ 80 milhões. Uma auditoria da Controladoria Geral da União citado pelo Ministério Público apontou um prejuízo de R$ 8,48 milhões para Furnas. A PGR sustenta que Funaro opera para Cunha.

Por meio de sua assessoria, o deputado avisou na quarta-feira (13/1) que não comentaria o caso. Mas ele já afirmou que “jamais recebeu qualquer vantagem indevida”. Furnas disse que não teve prejuízos e que a usina lhe dá retorno financeiro. Lúcio Funaro disse ao jornal ontem que, como o processo é sigiloso, seus advogados o orientaram a manter o silêncio até o fim do recesso do STF. A acusação de Janot foi incluída no pedido de busca e apreensão em endereços de Cunha, ações realizadas em dezembro na Operação Lava-Jato, por ordem do ministro Teori Zavascki. O deputado é alvo de mais de pelo menos dois inquéritos no caso por corrupção e lavagem de dinheiro desviado da Petrobras.
Em novembro de 2007 Cunha tornou-se relator da MP 396, que tratava apenas de troca de títulos do governo federal. Em dezembro, por conta de impedimentos da lei, Furnas desistiu de comprar a parte de seu sócio na usina hidrelétrica Serra do Facão, em Goiás, que pertencia à empresa Oliver Trust. Sem ter como negociá-la com seu sócio governamental, negociou sua participação de 29% com a Serra Carioca II, por R$ 6,8 milhões em janeiro de 2008. A empresa, havia sido criada na semana do Natal e é ligada a Funaro, segundo o Ministério Público.

Em 12 de fevereiro, Cunha insere uma emenda sobre outro assunto na Medida Provisória. Furnas e demais estatais do setor passam a poder comprar a parte de seus sócios. A emenda e o resto da MP é aprovada pelo Congresso e sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril. Em julho de 2008, Furnas resolve comprar a parte de seus sócio. Paga R$ 80 milhões, segundo a PGR, ou R$ 75 milhões, de acordo com comunicado da estatal divulgado em 2011. Além do prejuízo apontado, auditoria da CGU estranhou a falta de identificação da origem de R$ 30 milhões aportados pela Serra Carioca na usina.

No caso da MP 450, Cunha inseriu a obrigação de que as estatais aportassem dinheiro nos empreendimentos para garantir os investimentos. Segundo a PGR, isso também atendeu os interesses dele e de Funaro.

De acordo com a assessoria de Furnas, “não teve prejuízo” no negócio com a Serra da Carioca, ao contrário do que alega o Ministério . A estatal disse que, depois que sócio comprou a participação da Oliver Trust por R$ 6,8 milhões, fez aportes de R$ 75 milhões na construção da hidrelétrica. O empreedimento começou a funcionar em 2010. “Desde então vem proporcionando retorno financeiro compatível com as expectativas por Furnas e seus sócios”, disse a nota. Como a Serra da Carioca tinha sido criada no mês anterior ao ingresso na sociedade, a assessoria informou que foi exigida uma carta de fiança de um “banco de primeira linha”.

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Sete propostas
A PGR diz que, além das duas MPs, Cunha interferiu em ao menos sete propostas no Congresso em favor não só de Funaro, mas do ex-presidente da OAS Leo Pinheiro: as MPs 575, 600, 627 e 656, além do projeto de lei PL 238/13.

O deputado se utilizou de outros parlamentares para alcançar seus objetivos. “Eduardo Cunha se vale, habitualmente, de diversos deputados federais para realização de requerimentos (...) com fins nitidamente ilícitos, transformando o Congresso Nacional em um verdadeiro balcão de negócios”, disse Janot a Teori. Na semana passada, o presidente da Câmara se defendeu de outras acusações do procurador. “Reitera que jamais recebeu qualquer vantagem indevida de quem quer que seja e desafia a provarem”, disse Cunha em nota.

Carros e perseguição
A PGR sustenta que Funaro ameçou testemunhas ligadas ao grupo empresarial Schahin, cujo executivo Salim Schahin fez delação premiada com a Lava-Jato. Também afirma que ele é operador de Cunha e pagou dois carros para o deputado.

Interlocutores de Funaro disseram ao Correio que ele é apenas um amigo de Cunha que lhe empresta dinheiro freqüentemente. Segundo eles, o empresário é “perseguido” por governistas desde que fez delação premiada no caso do mensalão e ajudou a condenar líderes do Partido do Trabalhadores, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu – hoje preso por conta da Operação Lava-Jato.


Negócios autorizados
Como mudanças na lei beneficiaram empresário ligado a Cunha, segundo a PGR

20 de novembro de 2007
Eduardo Cunha torna-se relator da MP 396, que trata da apenas da troca de títulos do governo federal

Dezembro de 2007
Furnas e a empresa Oliver Trust são sócias na usina Serra do Facão, em Goiás. Por impedimento legal, Furnas renuncia à preferência de compra de ações da sócia. “A manutenção da Oliveira Trust (sic) na sociedade tornou-se inviável”, informaria Furnas anos depois.

Semana do Natal de 2007
É criada a empresa Serra Carioca II, ligada a Lúcio Funaro.

9 ou 31* de janeiro de 2008
Sem poder vender sua parte para Furnas, a Oliver Trust vende suas cotas para a Serra Carioca II, de Lúcio Funaro. Preço: R$ 6,8 milhões.

12 de fevereiro
Eduardo Cunha insere uma emenda na MP 396 que permitiria a Furnas comprar o resto da sociedade, medida antes rejeitada.

7 de abril
O então presidente Lula converte a MP 396 na lei 11.651/08

Julho de 2008
Com a mudança na lei, Furnas compra a participação da Serra Carioca II na usina por R$ 80 milhões.

Janeiro de 2011
Furnas defende a regularidade do negócio com a Serra Carioca e diz que pagou R$ 75 milhões

Outubro de 2011
Auditoria CGU vê prejuízos de R$ 8,48 milhões nos negócios entre Furnas e Serra da Carioca

Novembro de 2015
PGR afirma que Cunha atendeu seus próprios interesses no negócio viabilizado pela mudança na MP 396.

*PGR e Furnas divergem sobre a data exata da venda. Fontes: PGR, Furnas e Câmara

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