segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL


                                                  Por Marco ALBANEZ*

                Sincera e francamente, não tinha a menor intenção de abordar o assunto em foco. Após uma ausência de 15 dias no Blog do Magno Dantas, iria falar, no primeiro artigo do ano, sobre a perspectiva política para este ano. Mas, todavia, porém, aliás, a propósito, na realidade, outrossim, de maneira tal, do mesmo modo, igualmente, por outro lado... resolvi dar uma guinada de 360º, mandar a política partidária para o “Inferno II” – sim, porque no inferno ela já está desde que Pedro Álvares Cabral fez a besteira de descobrir o Brasil e piorou quando Dom Pedro I, “a beira do rio Capibaribe”, deu o grito de “Independência ‘e’ Morte” – e falar de um tema que me assusta, me revolta, me decepciona, enfim, me deixa triste, angustiado e aflito, tanto pelas causas como principalmente pelas suas consequências. Estou falando do depravado e insensato sistema de saúde do país que está podre, corrompido e em estado de coma. E não venham dizer que não existem culpados e vítimas. Os “protagonistas”? A maioria dos governantes irresponsáveis, cínicos, assassinos, salafrários, bandidos, canalhas... que não têm o menor remorso ao surrupiar o dinheiro público sabendo que ele poderia salvar milhares de pessoas, as quais não carregam uma cruz nas costas, mas sim o suplício de não encontrar vaga em hospitais públicos, médicos para atendê-las, leitos para interná-las e remédios para tratá-las.


               Aliás, pediria desculpas aos meus “sete leitores” fiéis caso a cronologia dos fatos não caminhem em passos certos. Não deveria escrever “soletrando números” e muito menos “somando letras”, mas o que tenho presenciado – muitos casos in loco – no que diz respeito à saúde pública no Brasil é de uma tristeza e de uma revolta que não dá samba.  A Constituição de 1988 criou o Sistema Único de Saúde (SUS), cujos princípios são a Universalidade, a Equidade e a Integralidade da atenção à saúde. No entanto, é preciso tentar entender o que isto tudo significa. Em outras palavras, trata-se de um sistema que tem como fundamento a acessibilidade da população ao tratamento médico, haja vista que ele é financiado a partir dos impostos pagos, direta e indiretamente, por todos nós. Na verdade, teria que ser, mas não é. Pergunto: como estão funcionando os postos de saúde Brasil afora? Recentemente, fiscais dos Conselhos Regionais De Medicina saíram em busca dessa resposta. Visitaram mais de dois mil desses postos, em centenas de municípios. A situação é alarmante. Em muitos municípios não há, sequer, metiolate e esparadrapo para fazer-se um curativo. Falta vacina, falta remédio, falta equipamento, falta médico, falta atendente. Falta até estrutura. É essa a triste realidade que milhões de brasileiros enfrentam todos os dias. Além da área de informática, eles também enfrentam a “era da conjuminância”, pois nada dá certo. Exemplos? Vou dá-los – no primeiro, omitindo os nomes para que ninguém venha insinuar que esteja me aproveitando deste espaço para fazer política ou demonstrar que sou um “santinho”. Não, não sou. Sou o “cão chupando manga”. Corram!

               Antes do primeiro exemplo, vou narrar um fato que tem tudo a ver...
               Há quatro anos, fui picado por um inseto no pé esquerdo. No dia seguinte, o inchaço era estarrecedor. Como todo brasileiro é médico, fui à farmácia e comprei uma pomada anti-inflamatória. Não resolveu. Preocupado (tenho Plano de Saúde), fui ao Hospital Português e o médico olhou o pé – sem, sequer, examiná-lo –,  passou uma outra pomada e me mandou lavar a ferida com sabão amarelo. Pqp, me ferrei – pensei. (É que o sabão amarelo tem soda cáustica, o que é um veneno para esse tipo de infecção – causada por bactérias como alguns “humanos” que têm como habitat o Congresso Nacional, as assembleias legislativas, as prefeituras, as câmaras municipais.) Não utilizei o sabão, mas a pomada, sim. Nada de melhora. Meu pé parecia uma “pata” de elefante. No terceiro dia, fui ao Hospital Memorial São José, exatamente às 19h do dia 24 de dezembro, véspera do “Feliz Natal”. O médico examinou o ferimento e nem pensou muito: determinou meu internamento, pois já estava com problema de circulação e dele poderia surgir até uma amputação. Pirei. Como tenho dois sobrinhos médicos, pedi a um deles – que tinha consultório no hospital – que me arranjasse o melhor médico angiologista (vascular) e de sua confiança para me examinar. No dia seguinte – 25, sim, um feliz natal para mim –, às 7h, o médico estava me examinando (hoje, um dos meus grandes amigos, conforme vocês verão nos exemplos adiante). Com cinco minutos, determinou a coordenação do hospital que preparasse um bloco cirúrgico, pois seria anestesiado a fim de que fosse possível fazer a raspagem do “cascão” do ferimento. Chamei-o e disse: “Doutor, esqueça a anestesia. Pode fazer o tratamento aqui mesmo. Agora”. Surpreso, ele me disse que não aguentaria e que poderia desmaiar. Insisti. Concluídos os preparativos, uma das minhas duas filhas segurou meu braço esquerdo; minha irmã mais velha, o braço direito; não me recordo quem, a minha cabeça; e colocaram uma toalha na minha boca. Iniciada a raspagem, a dor era tamanha que os segundos pareciam horas. (Urinei por causa da dor. Precisa dizer mais alguma coisa? Não importou: queria ficar curado.)

               Concluído o tratamento (meu pé parecia uma “picanha” crua), o médico olhou para mim e disse que “nunca tive um paciente nessa situação com tanta coragem”. Não era coragem. Eu precisava ter vida. Com curativos diários (a pomada cicatrizante era importada e só os hospitais tinham ela), minha recuperação estava excelente e por isso fui “expulso” do hospital no dia 31 (que réveillon!), pois o médico temia infecção hospitalar (por 15 dias, continuei o tratamento em casa).  

               E os exemplos? Vamos ao primeiro – dois casos.
               Juvenal (nome fictício) mora na Várzea Fria e tinha levado um corte na perda (numa pedra). Foram semanas, meses indo para os hospitais Petrolina Campos e Getúlio Vargas. Ninguém resolvia nada e quando tinha médico que “conhecia” do assunto, aviava Bezetacil. Ele deve ter tomado umas 30 injeções. Tentava marcar consulta com um angiologista pelo SUS e só havia vaga com seis meses de espera. Seu sofrimento era imensurável. Não podia trabalhar e não recebia o benefício do INSS porque os peritos estavam em greve. Quando tomei conhecimento da situação, dei-lhe um esporro por não ter me avisado já que o conhecia desde 1988 e sua família sempre havia votado em mim ou nos meus candidatos. Ele não tinha Plano de Saúde e estava praticamente sem poder andar. Não pensei duas vezes: liguei para o meu médico (sim, aquele que cuidou de mim) numa quinta-feira. Mesmo de férias, marcamos no sábado seguinte  no Hospital da Restauração, onde  ele estaria de plantão. Chegando lá, o médico examinou e disse: “seu caso é diferente do de Marco. Você tem uma varize que está dificultando a circulação. Faça esse exame e no sábado me traga o resultado”. No dia marcado, após ver o exame, foi logo marcando a cirurgia da varize, realizada dois dias depois e recebendo alta com 24 horas. Tomou antibiótico por sete dias e hoje está curado.

              O outro caso foi mais emblemático. Zezinho (igualmente, nome fictício), residente na Vila Ersina Lapenda, levou um corte na perna e achava que “era simples” resolver. Mal podia caminhar. Nada de médico. Nem de hospitais. Como Juvenal, os médicos só passavam Bezetacil. A situação chegou a tal ponto que ele entrou em desespero. Pior: a ferida virou úlcera. Numa determinada noite, o médico Jairo Pereira liga para mim e conta a situação e diz que tem colegas angiologistas, mas gostaria que eu fizesse o que fosse possível para que “meu” médico pudesse examiná-lo. Fui conversar com Zezinho e vi que a situação era crítica. Como Jairo se prontificara em dar todo apoio logístico (o carro de Bruno ficava a disposição para levá-lo e trazê-lo tantas vezes fossem necessárias, para qualquer lugar) e os medicamentos ser-lhe-ia entregues, liguei para o “meu” médico e marcamos a consulta para o dia seguinte, também no HR. Ao ser examinado, o médico deixou bem claro: a amputação seria coisa de poucos dias, caso não iniciasse logo o tratamento com antibióticos e a utilização de uma “bota” clínica (não me pergunte o porquê ou para que ela serve, pois não saberei responder). Durante um mês, Zezinho ia todo sábado ou terça-feira mudar a bota e ser reexaminado. Quase todos os dias o médico ligava para mim dando notícias. Está curado.

             Impressionante, não? Duas pessoas sem plano de saúde, gravemente enfermos, hoje estão contando historia com uma cura obtida no Hospital da Restauração e com a assistência médica de um profissional com vínculo empregatício no Estado, mas de renome nacional e com seu consultório – particular – lotado todos os dias, localizado no Hospital Esperança. Esse médico tem vocação e devoção pela profissão. Alguma dúvida? E porque alguns outros profissionais não agem assim? Ganham pouco? Tem seis, sete ou oito empregos para dar conta? Pois é, vê-se que se trata de uma questão de juízo de valor.

              Como elas, existem histórias reais e comoventes que poderiam e deveriam ser rotineiras se os desgraçados de alguns governantes não fossem germes que ocupam cargos públicos, a começar do governo federal que fica divulgando que “o sistema de saúde está ótimo e atendendo a população da melhor maneira possível”. E os governos estaduais? Estão acompanhando o que está acontecendo no Rio de Janeiro? Imaginem o que acontece no Acre, no Amapá, em Roraima... Governos municipais? Com raríssimas exceções, os prefeitos não passam de pilantras. Certa vez escrevi um artigo intitulado “Os Bandidos do Colarinho Branco”. Fui criticado bastante, mas os elogios superaram as críticas, apenas porque afirmei, em sentido figurado, que uma pessoa matar outra é lamentável, é triste, é inaceitável. Mas quantas pessoas morrem nas portas dos hospitais por falta de assistência médica porque os políticos corruptos roubam o dinheiro que deveria ser aplicado no sistema de saúde e, assim, salvar milhares de vidas? (Esse meu artigo – fiquem sabendo agora – foi motivo de uma aula no Curso Fundamental II de uma escola de referência da cidade de Olinda.)

             Prestem atenção: uma pessoa que não tem plano de saúde espera seis meses para marcar uma consulta. Se ele tiver sorte, o médico estará no consultório no dia marcado e mesmo sem examiná-la, solicita uma série de exames. E lá vão mais seis meses para fazer os exames requisitados (desde que os aparelhos não estejam quebrados ou os servidores não estejam em greve). Observem que entre a marcação da consulta e o atendimento médico, a demora foi de um ano. Ao receber os exames (sem a menor confiabilidade), a pessoa tenta voltar para o médico e a espera, mais uma vez, é de seis meses, em média. Se ela ainda não morreu, o que poderá acontecer se surgir outra doença? Como explicar mulheres grávidas procurarem três, quatro, cinco hospitais para ter seu bebê e termina vendo o seu filho nascer no chão? Como aceitar que as bactérias fantasiadas de políticos roubem o dinheiro de um sistema de saúde no qual existe mais fraudes do que profissionais para atender a população? Como explicar que alguns – principalmente – prefeitos “comprem toneladas” de remédios, faturem a sua propina e os postos médicos continuem sem atender a quem precisa? É justo isso? (Este é o outro exemplo.) Se alguém acha que tudo isso está certo, “parabéns”. Se outros não concordam com essas safadezas, ótimo. Aproveitem e mandem alguns políticos para um caminho sem volta nas próximas eleições municipais e, depois, nas estaduais e federal.

              Eu, particularmente, desejaria ver esses vagabundos e ladrões da consciência do povo num paredão. De fuzilamento. Aliás, por mais que queira contestá-lo, não encontro argumento. Estou me referindo à opinião de “Seu Tonho do Jenipapo”, cabra-macho da peste, morador de zona rural e que anda muito puto da vida com o que está acontecendo no país. Embora nunca tenha frequentado uma escola, a sua revolta com o falido sistema de saúde no Brasil têm-lhe dado coragem para “tocar na ferida” desses marginais ao dizer que

“Para que o caos na saúde pública termine de vez, é necessário que os membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário recorram ao SUS quando necessitarem de atendimentos médico e hospitalar.”

*Marco ALBANEZ
É advogado (OAB-PE nº 7.658) e jornalista (AIP nº 2.163 e DRT/PE nº 3.271)


8 comentários:

  1. Odorico Queiroz (Salvador-BA)11 de janeiro de 2016 às 10:34

    Gostei, Marco. O Brasil está doentio, deitado no chão dos hospitais, postos de saúde...sem remédio...Novo remédio: CPMF.

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    1. Bom dia! Parabéns por seu comentário, sou assalariado não tenho plano de saúde e condições de pagar se necessário consulta particular.Onde moro temos um belo hospital, com funcionários exemplares,postos de saúde com ótimo atendimento, mas a carro chefe que é o hospital está faltando tudo, culpa de nós mesmos, ao nos deixarmos ser iludidos por políticos corruptos que fizeram da politica a forma mais fácil de nos roubar. Espero que o povo tenha acordado com que o Juiz Sérgio Mouro e equipe vem mostrando. Que em cada Município, cada canto deste Brasil apareçam outros. Mais uma vez, você foi muito feliz no tema abordado, tive que copiar e postar em minha página no Facebook.

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  2. Grande Marcão,
    Estava lendo seu artigo no exato momento que o NE TV falava da greve dos peritos (médicos) do INSS que estão de greve desde o final de Agosto, e um filho da puta (médico) em entrevista, quando perguntado pela repórter como ficava a situação das pessoas em geral, dizia que o povo deveria ter mais paciência. É phoda !! Conheço um que está sem receber há mais de 6 meses porque nem a empresa paga nem o INSS paga por que não se fez a perícia e o cara ainda está sem poder andar por causa de fratura exposta de fêmur em atropelamento.
    Lendo a questão da sua raspagem a cru, me lembrei de caso o corrido comigo em 2013.
    Fiz uma operação de hidroceles (acho que o nome é este) com Aureliano Cordeiro, médio de larga experiência. Temendo Infecção hospitalar, fiz no Jayme da Finte que tem o menor índice de infecção hospitalar do Estado. Não deu outra, em 6 diasestava com o ovo do tamanho de um coco, sofrendo feito um filho da puta e Aureliano não resolvia o problema. Na cirurgia, colocou um dreno que minava secreção o dia todo, e doía prá cacete. Resolvi procurar um amigo que você talvez até conheça. Adailton Vidal conhecido Dadá Caçarola que por muitos anos foi do PCB.
    Fui ao Hospital Portugues, ele me examinou e disse que o dreno estava muito em cima dificultando a saída da secreção e teria que abrir um buraco mais embaixo para escoar todo o líquido. Como estava muito infeccionado não tinha como pegar anestesia, salvo RAC, peridural ou geral, o que seria uma merda. Topei fazer a cru e ele passou o bisturi e abriu um buraco de uns 3 ou 4 cm. Doeu prá caralho. Não me urinei , mas as lágrimas Caim de 4 em 4. Fui embora com um monte de medicação. Voltei 3 dias depois e quando tirou o curativo, a porra do talho havia colado iniciando cicatrização.
    Abriu de novo e colocou um chumaço da gaze, para não colar de novo. A porra da gase colou e teve que fazer5 uma raspagem 3 dias depois, a cru.
    Ele pegou um pedaço de gase com uma pinça e enfiou de um buraco para o outro e puxava para um lado e outro como quem estava engraxando um sapato com flanela. ISSO NO OVO IRMÃO, E A CRU!! Sangrava, doía e eu não sabia o que fazer. Fiz uns 6 curativos destes, todo dia, e não tomava café da manhã (ia em jejum) para não me cagar. Fui contaminado com duas bactérias filhas da puta, PROTEUS MIRABILIS e outra Entero não sei lá o que e me curei com doses cavalares de ciprofloxacina .
    Valeu o artigo, irmão !!
    Abraços e excelente ano novo
    Tenho lido suas lapadas, no JC !

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  3. Severino José de Mélo11 de janeiro de 2016 às 10:36

    Dr. Marco Albanez, seu artigo, por sinal, muito bem escrito, trata de um dos três maiores descasos por conta dos nossos irresponsáveis governantes. Pena a maioria do nosso povo não percebe.

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  4. Prezado amigo.
    São tantas as notícias de corrupção no nosso país, em diversos setores, que acredito que o Judiciário não tem condições de apurar e julgar todos os casos nos próximos vinte anos. E ainda somos ameaçados pela CPMF. Quem viver, verá.
    Forte abraço.
    Anselmo Gouveia.

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  5. Não gosto de você, mas tenho que reconhecer que a maioria dos artigos que você escreve mexe com a gente. Parabéns.

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  6. Marco: eu mostrei a turma da Secretria de Saúde o seu artigo. A turma elogiou você, irmão. Abraço e 2016 é o ano da gente. É Bruno na cabeça.

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  7. Mais um artigo bem escrito e bem contextualizado . Marco Albanez como sempre acertando e com textos que dispensam elogios !!!!!

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